sexta-feira, 24 de abril de 2015

Lótus - Capítulo 7

- Acho que não te entendi direito. - Malcolm franziu o cenho. - Pensei ter ouvido você dizer "Sombra".
- Eu disse. - Replicou Arthur. - Vim recrutá-los para os Sombra.
           Silêncio pairou no ar enquanto Lucas, Lisa e Malcolm se entreolhavam.
- Isso é algum tipo de pegadinha que não estou entendendo? - Lucas perguntou.
- Olha, a reação de vocês era prevista e é totalmente compreensível. - Disse Arthur, enquanto se sentava em uma poltrona. – Vou lhes explicar do que tudo isso se trata assim que vocês se sentarem.
           Lisa permaneceu sentada no sofá. Estava séria e seus olhos estavam vermelhos e inchados de tanto chorar. Lucas e Malcolm se sentaram ao lado dela e ambos, os três, encararam Arthur na expectativa de que aquilo fizesse algum sentido.
- Eu sou o líder dos Sombra. - Arthur disse calmamente, apoiando seus cotovelos nos joelhos, e entrelaçando seus dedos. - Meu trabalho com os Formigas, apesar de genuíno, funciona como um disfarce. Antes da cidade entrar em quarentena eu era um assassino de aluguel. Trabalhava para o submundo dessa cidade. Sempre tive informações privilegiadas, estas me deram certa vantagem sobre os vilões em ascendência.
- Você é um assassino? - Lisa finalmente falou.
- Sim. - Arthur, solenemente, respondeu. - Mas eu não sou de todo um cara mau. Entendam que sempre filtrei meus contratos, procurava sempre me manter informado para não acabar matando pessoas de bem. Trabalhei para muitas pessoas ruins, mas meus alvos sempre foram outras pessoas ruins. A escória dessa cidade.
           Lucas e Malcolm se entreolharam. Sabiam que não tinham o direito de julgá-lo por tirar vidas, eles faziam quase o mesmo, por mais que fosse por sobrevivência. Decidiram não interrompê-lo. Lisa permaneceu acuada no sofá, pois não lhe restavam energias, nem para reagir ter um assassino sentado na sua frente.
- Eu fundei esse grupo com a intenção de continuar meu trabalho. - Arthur continuou. -Eliminar aqueles que causam o mal. Mas agora não o faço por dinheiro, o faço para preservar as pessoas de bem, pessoas que estão sendo involuntariamente envolvidas em disputas insensatas de poder. Assim como os Formigas. Assim como seus irmãos. - Disse olhando para Lisa em particular.
           Os olhos de Lisa vacilaram à menção de seus irmãos. Ela abominava a ideia de tirar a vida de outro ser humano. Nunca se achou no direito de decidir quem vive e quem morre, mas as palavras de Arthur a abalaram. Ela tinha ódio daqueles membros dos Eclipse. Já não bastasse tirar proveito de um grupo inofensivo, ainda se permitiam maltratar crianças só para satisfazer seu ego. Mas não eram quaisquer crianças. Eram Russel e Mark, eram seus irmãos, eram sua única família e eram aqueles os quais Lisa daria a vida para proteger, mas mesmo sua motivação se mostrou insuficiente e incapaz de alterar o destino dos garotos. Ela era fraca, ela sempre soube disso, mas agora ela tinha que encarar as consequências.
- Eu tenho duas pessoas trabalhando comigo. Duas pessoas nas quais confio plenamente. Juntos nós já conseguimos eliminar membros menores dos Eclipse e dos Hienas do Asfalto. Mas nossa força-tarefa é pequena para realizarmos nosso próximo movimento. Nós precisamos de mais membros. Nós precisamos de pessoas motivadas e capazes. Nós precisamos de vocês.
- Você esteve conosco por apenas metade de um dia. O que te faz pensar que estamos dispostos a participar do seu grupo de justiceiros? - Indagou Lucas.
- Nós temos acesso a câmeras de segurança espalhadas por toda a cidade. - Contou Arthur. - Eu já assisti capítulos da história de vocês assim como de muitos outros nessa cidade. O pouco que vi me mostrou que estavam aptos psicologicamente para o serviço. Eu só precisava de algo que os motivasse a isso.
- Olha, nós apreciamos a oferta, mas temos coisas mais importantes com as quais nos preocupar. - Lucas disse. - Queremos viver em paz, nós cinco, e pra isso precisamos trabalhar para atender a demanda dos Eclipse e recuperar os irmãos da Lisa.
- Mas é aí que entra a parte motivacional, a engrenagem que faltava. - Arthur sorriu de forma desafiadora. - A missão para qual precisamos de vocês é a de exterminar uma base específica dos Eclipse. A para qual seus irmãos foram levados. Com isso resgataremos eles e cessaremos esse vil acordo deles com os Formigas.
           Malcolm não foi pego de surpresa. Ele sabia que Arthur vinha preparado. Sendo um Sombra, líder de um grupo de assassinos, ele não se revelaria sem ter certeza de que seu objetivo seria alcançado. No momento em que ele bateu na porta, o destino daqueles três já havia sido traçado. Era uma oferta que Lisa não recusaria. Malcolm já havia passado tempo suficiente com Lucas para saber que ele não deixaria de ajudá-la. Malcolm ainda prezava por sua segurança, mas também não podia deixar que seu amigo enfrentasse esse obstáculo sozinho. Arthur teria calculado isso? Teria notado o forte laço de amizade que existia entre Malcolm e Lucas, o jeito no qual Lucas olhava para Lisa e o intenso amor fraternal que ela tinha pelos seus irmãos? Ele era bom! Malcolm agora sabia disso. Esperava que tudo desse certo, e o potencial que viu em Arthur o tranquilizara, mas apenas um pouco.
- Eu... - A voz de Lisa vacilou. - Eu quero ir com você.
- Então eu também vou. - Falou Lucas.
- Arthur, é bom que você tenha um ótimo plano, caso contrário não seguirei a frente com isso. - Blefou Malcolm.
- O plano existe e é concreto. Se ele terá sucesso ou não, isso dependerá de vocês. - Arthur se levantou e abriu a porta da frente. - Amanhã estarei esperando por vocês no prédio principal. Mégara vai listar suas aspirações de serviço para com os Formigas, digam a ela que querem se tornar recrutadores, os três. Vou providenciar para que eu possa treiná-los. Essa será nossa deixa para que possamos trabalhar no nosso ataque. - Então, sem esperar por respostas, ele se foi.
           Todos jantaram, até Lisa concordou em comer um pouco. Malcolm percebeu que ela não estava falando muito, ele sabia que pela cabeça dela deveriam estar rodando uma mescla de inúmeras emoções: Raiva, medo, surpresa, culpa e talvez até um pouco de esperança. Ele não a culpou.
           Na manhã do dia anterior eles ainda nem haviam se conhecido, mas agora parecia ser como se tivessem sido amigos por toda a vida. Todas as histórias que os cinco compartilharam os aproximaram. Agora, com tanto acontecendo em tão pouco tempo...
           Foi difícil pegar no sono. A casa tinha dois andares, e no segundo andar dois quartos, um maior com uma cama de casal e alguns colchonetes e outro menor com duas camas de solteiro. Malcolm e Lucas iam dormir juntos no quarto menor, mas Lisa pediu a Lucas que não a deixasse sozinha, então Malcolm pernoitou sozinho no quarto menor. Logo de manhã, foi o primeiro a acordar, fez seus rituais matinais e ao entrar na cozinha se deparou com frutas frescas em cima da mesa e as marmitas destinadas aos garotos, que Malcolm havia guardado na geladeira, haviam sumido. Era impressionante como comida apenas parecia se materializar na casa. Lisa e Lucas desceram depois de um tempo, ambos se prepararam e se encontraram com Malcolm na sala quando prontos para sair.
           Ao chegar no saguão do prédio, os três se depararam com Arthur e Mégara que já pareciam os esperar. Eles pediram para receber o treinamento para recrutadores e Arthur concordou em lhes proporcionar o mesmo. Mégara anotou alguma coisa em sua prancheta e os liberou com um sorriso no rosto. Arthur os guiou para fora do prédio.
- Minha obrigação para com os Formigas agora é lhes ensinar o básico de um Recrutador. - Explicou Arthur. - Mas não o farei agora. Preciso que todo foco de vocês seja direcionado para a tarefa que temos em mãos. Depois disso conversaremos sobre o cargo de vocês.
           Todos assentiram e continuaram sua passeata pelas ruas habitadas do território dos Formigas. Arthur disse que os estava levando para uma das bases secretas de operação dos Sombra, onde um de seus amigos e membro do grupo os esperava. A base em questão se localizava fora do território dos Formigas, mas ainda perto o suficiente. Era uma casa amarela bonita, mas bem esguia. Tinha três andares e por cima disso um terraço coberto. Arthur entrou na frente, e pediu para que se sentissem em casa, então ele sumiu por um corredor. A porta da frente dava numa apertada sala. Ao invés de um sofá, a sala tinha um grande pufe vermelho de frente para uma televisão de 42". Malcolm e Lisa se sentaram no pufe. Lucas decidiu ter um tempo para si, então disse aos demais que pretendia explorar a casa.
           Entrou nos cômodos do primeiro andar e não encontrou Arthur, não se alarmou, subiu ao segundo andar. Lá encontrou um quarto de tamanho médio, e nele ficou. Sentou-se na cama. Dois dias atrás ele estava com o pé machucado e julgava aquilo como sendo o ápice de seu sofrimento, mas agora, com tanto acontecendo em tão pouco tempo ele não havia tido um tempo para organizar seus pensamentos. Quando encontrou Lisa naquele prédio ele tinha sentido alguma coisa por ela, talvez tivesse sido um reles interesse baseado na beleza exterior da garota, mas depois de se conhecerem melhor o sentimento só vinha crescendo. Ele havia se aproximado dos irmãos dela no intuito de parecer um cara legal, não que ele não gostasse dos garotos, era só que, ele queria que ela o apreciasse. Depois dos gêmeos terem sido levados, Lucas esteve ao lado dela, sendo seu ombro amigo, sem segundas intenções. Ele não conseguia nem imaginar tamanha dor que ela sentia. Ele sabia que os Eclipse maltratariam os garotos e também sabia que Lisa estava ciente disso. No dia passado ela pediu para que Lucas não a deixasse dormir sozinha. Quando juntos no quarto, ele fez menção de dormir no chão, mas Lisa insistiu que ele dormisse com ela na cama de casal. Eles se beijaram naquela noite. A iniciativa tinha sido de Lisa, mas Lucas não foi pego de surpresa. Ele sabia que ela estava sensível, se sentindo fraca. Sabia que aquele beijo poderia acabar acontecendo. Ele não soube como reagir depois, se sentia culpado, como se ele de certa forma tivesse se aproveitado da situação. No dia seguinte nenhum dos dois chegaram a comentar sobre o beijo. Agiram normalmente, como se em um mútuo acordo mental tivessem resolvido esquecer aquilo. Ele ainda gostava dela, mas não criava esperanças por terem dividido aquele beijo.
           Depois de seu "tour", voltando para a sala, Lucas se deteve nos degraus. Parado no pé da escada havia um cachorro de porte médio, e ele rosnava. Lucas o reconheceu como sendo da raça beagle. Tinha a pelugem branca e malhada com tons de marrom, a ponta de seu focinho era marrom clara e suas enormes orelhas pendiam como grandes e frouxos fones e ouvido. O cão estava em posição de ataque, com suas costas arqueadas e seus dentes amarelados a mostra, Lucas não sabia ao certo o que fazer, ele realmente não esperava por aquilo. O cachorro o encarava e ele não tinha coragem de se mexer. Pensou se daria tempo de correr de volta e se trancar em algum lugar ou se o fizesse o cão o alcançaria primeiro. Ele não teve que pensar muito, alguém riu e falou "Amigo", o cachorro cessou sua postura agressiva imediatamente e andou pra perto de seu mestre. Era um homem na casa dos vinte e tantos anos, por volta de um metro e setenta e cinco de altura, tinha olhos castanhos e usava solto seu cabelo liso que escorria até os ombros, estava vestindo um casaco de brim e calça comprida preta. Malcolm e Lisa estavam logo atrás dele.
- Eu disse que seria engraçado. - Disse o homem, rindo.
- Eu não achei engraçado. - Lisa falou.
- Muito menos eu. - Complementou Lucas. - Quem diabos é você? E qual o problema dessa pequena besta?
           O homem se apresentou para Lucas. Seu nome era Derius Palmer, e seu fiel parceiro se chamava Dinky. Ele era membro dos Sombra, um dos companheiros de Arthur. Malcolm havia notado uma pontinha de insanidade no rapaz já quando ele havia adentrado a sala e começado a falar sem parar. Se apresentou, apresentou seu cão, contou o quanto ele odiava pessoas que não gostavam de animais, suas preferências nos quesitos: Comida, cores e sobrenomes de origem japonesa, falou um pouco sobre o quão incrível seria se humanos pudessem realizar a fotossíntese e então perguntou o nome de Malcolm e Lisa, perguntou também onde estava o outro garoto. Quando Malcolm disse que ele havia subido para o andar de cima Derius pediu para que os acompanhasse na intenção de pregar uma peça em Lucas.
           Depois de se apresentar, ele levou os três até a cozinha. Lucas relutantemente os seguiu.
- Vocês vão adorar isso. - Derius falou, com um sorriso insano no rosto, enquanto andava até a geladeira.
           Ele esperou que os três estivessem em sua linha de visão e então abriu a geladeira. Olhou para os três e esbugalhou seus olhos.
- Estão vendo? - Derius perguntou, fazendo bico.
- Estou vendo que vamos passar fome. A geladeira está vazia. - Lucas retrucou.
- Sim, sim. Vazia. - Disse fechando a geladeira. - Agora prestem atenção.
           A geladeira era coberta por um enxame de imãs de diversos temas: Animais, frutas, objetos e até personagens de desenhos. Derius os apertou em uma ordem, que para os três, pareceu bem aleatória.
           Um barulho mecânico pôde ser ouvido, como o de engrenagens girando, o som terminou em um estalido metálico. Derius abriu novamente a geladeira. As prateleiras vazias não estavam mais lá, os fundos da geladeira agora revelavam uma escadaria escura para um porão. Dinky correu na frente.
- Calma aí apressadinho. - Chamou Derius. - Bom, me sigam. Feche a porta da geladeira o último que passar. Se ela ficar aberta a conta de luz vai vir alta.
           O trio permanecia boquiaberto e imóvel. Aquilo tinha sido legal demais. Malcolm tomou a dianteira e olhou pela escuridão da escada. Julgando seguro, ele entrou. Lisa e Lucas o seguiram de perto.
           Desceram o que pareceu serem uns dois ou três andares. No final da escadaria se depararam com uma ampla sala mal iluminada com paredes de cor verde escura, havia uma grande mesa de centro redonda sem cadeiras ao redor, ao fundo vários computadores se mostravam a única fonte de iluminação do local. As telas mostravam imagens de diversas ruas da cidade. Lucas e Lisa reconheceram algumas. Sentado em uma cadeira com um walkie-talkie em mãos se encontrava Arthur. Estava falando com alguém. Derius pediu para que não o interrompessem porque a conversa que ele estava tendo era muito importante e poderia afetar o plano de invasão da base dos Eclipse, então os ofereceu um refrigerante em lata, direto de uma máquina de vendas que havia em um dos cantos. "Peguem enquanto ainda está na validade.", ele disse. Arthur terminou sua conversa e voltou sua atenção aos outros.
- Eu estava falando com o outro membro dos Sombra, o nome dela é Christina Shaw, e ela está, no momento, infiltrada na base dos Eclipse a qual pretendemos invadir. - Contou Arthur.
- Infiltrada? Você disse que precisava de nós para essa missão. A quanto tempo exatamente ela está infiltrada? - Perguntou Malcolm.
- Ela está entre eles desde que aquela base dos Eclipse descobriu os Formigas. Tive que pedir isso dela. A princípio Christina me fornecia informações como o movimento dos membros, a maneira como funcionava a base deles, como era feito o contato com seus superiores e coisas do tipo. Conforme o tempo foi passando nós bolamos inúmeros planos para derrubá-los, mas nunca tivemos pessoal necessário para executá-los. Tivemos que alterar partes do plano sempre que seu líder fazia alguma modificação interna na base. Ainda corremos esse risco, por isso precisamos agir rápido.
- Não acha que o papel dela é um tanto arriscado? - Lisa questionou.
- Ela é totalmente capaz. É experiente e motivada. Não teria problemas com isso. - Arthur deixou claro.
- Bom, e a respeito desse plano, quando vai nos deixar a parte dele? - Indagou Lucas, bebericando seu refrigerante.
- Temos o dia inteiro para entrar em detalhes. Mas nosso objetivo é simples. - Arthur avaliou uma última vez seus recrutas. - Vamos invadir sorrateiramente e matar o comandante.
           A respiração de Lisa vacilou, mas ela se manteve calma.
- Não soa tão simples assim. - Inferiu Malcolm. - Quanto tempo teremos para nos preparar?
- Não muito. - Ponderou Derius.
- Uma semana? - Lucas inquiriu.
- Atacaremos amanhã. - Arthur concluiu.