- Acho que não te entendi direito. - Malcolm franziu
o cenho. - Pensei ter ouvido você dizer "Sombra".
- Eu disse. - Replicou Arthur. - Vim
recrutá-los para os Sombra.
Silêncio pairou no ar enquanto Lucas,
Lisa e Malcolm se entreolhavam.
- Isso é algum tipo de pegadinha que não estou
entendendo? - Lucas perguntou.
- Olha, a reação de vocês era prevista e é
totalmente compreensível. - Disse Arthur, enquanto se sentava em uma poltrona.
– Vou lhes explicar do que tudo isso se trata assim que vocês se sentarem.
Lisa permaneceu sentada no sofá. Estava
séria e seus olhos estavam vermelhos e inchados de tanto chorar. Lucas e
Malcolm se sentaram ao lado dela e ambos, os três, encararam Arthur na
expectativa de que aquilo fizesse algum sentido.
- Eu sou o líder dos Sombra. - Arthur disse
calmamente, apoiando seus cotovelos nos joelhos, e entrelaçando seus dedos. -
Meu trabalho com os Formigas, apesar de genuíno, funciona como um disfarce.
Antes da cidade entrar em quarentena eu era um assassino de aluguel. Trabalhava
para o submundo dessa cidade. Sempre tive informações privilegiadas, estas me
deram certa vantagem sobre os vilões em ascendência.
- Você é um assassino? - Lisa finalmente falou.
- Sim. - Arthur, solenemente, respondeu. - Mas
eu não sou de todo um cara mau. Entendam que sempre filtrei meus contratos,
procurava sempre me manter informado para não acabar matando pessoas de bem.
Trabalhei para muitas pessoas ruins, mas meus alvos sempre foram outras pessoas
ruins. A escória dessa cidade.
Lucas e Malcolm se entreolharam. Sabiam
que não tinham o direito de julgá-lo por tirar vidas, eles faziam quase o
mesmo, por mais que fosse por sobrevivência. Decidiram não interrompê-lo. Lisa
permaneceu acuada no sofá, pois não lhe restavam energias, nem para reagir ter
um assassino sentado na sua frente.
- Eu fundei esse grupo com a intenção de
continuar meu trabalho. - Arthur continuou. -Eliminar aqueles que causam o mal.
Mas agora não o faço por dinheiro, o faço para preservar as pessoas de bem,
pessoas que estão sendo involuntariamente envolvidas em disputas insensatas de
poder. Assim como os Formigas. Assim como seus irmãos. - Disse olhando para
Lisa em particular.
Os olhos de Lisa vacilaram à menção de
seus irmãos. Ela abominava a ideia de tirar a vida de outro ser humano. Nunca
se achou no direito de decidir quem vive e quem morre, mas as palavras de
Arthur a abalaram. Ela tinha ódio daqueles membros dos Eclipse. Já não bastasse
tirar proveito de um grupo inofensivo, ainda se permitiam maltratar crianças só
para satisfazer seu ego. Mas não eram quaisquer crianças. Eram Russel e Mark,
eram seus irmãos, eram sua única família e eram aqueles os quais Lisa daria a
vida para proteger, mas mesmo sua motivação se mostrou insuficiente e incapaz
de alterar o destino dos garotos. Ela era fraca, ela sempre soube disso, mas
agora ela tinha que encarar as consequências.
- Eu tenho duas pessoas trabalhando comigo.
Duas pessoas nas quais confio plenamente. Juntos nós já conseguimos eliminar
membros menores dos Eclipse e dos Hienas do Asfalto. Mas nossa força-tarefa é
pequena para realizarmos nosso próximo movimento. Nós precisamos de mais
membros. Nós precisamos de pessoas motivadas e capazes. Nós precisamos de
vocês.
- Você esteve conosco por apenas metade de um
dia. O que te faz pensar que estamos dispostos a participar do seu grupo de
justiceiros? - Indagou Lucas.
- Nós temos acesso a câmeras de segurança
espalhadas por toda a cidade. - Contou Arthur. - Eu já assisti capítulos da
história de vocês assim como de muitos outros nessa cidade. O pouco que vi me
mostrou que estavam aptos psicologicamente para o serviço. Eu só precisava de
algo que os motivasse a isso.
- Olha, nós apreciamos a oferta, mas temos
coisas mais importantes com as quais nos preocupar. - Lucas disse. - Queremos
viver em paz, nós cinco, e pra isso precisamos trabalhar para atender a demanda
dos Eclipse e recuperar os irmãos da Lisa.
- Mas é aí que entra a parte motivacional, a
engrenagem que faltava. - Arthur sorriu de forma desafiadora. - A missão para
qual precisamos de vocês é a de exterminar uma base específica dos Eclipse. A
para qual seus irmãos foram levados. Com isso resgataremos eles e cessaremos
esse vil acordo deles com os Formigas.
Malcolm não foi pego de surpresa. Ele
sabia que Arthur vinha preparado. Sendo um Sombra, líder de um grupo de
assassinos, ele não se revelaria sem ter certeza de que seu objetivo seria
alcançado. No momento em que ele bateu na porta, o destino daqueles três já
havia sido traçado. Era uma oferta que Lisa não recusaria. Malcolm já havia
passado tempo suficiente com Lucas para saber que ele não deixaria de ajudá-la.
Malcolm ainda prezava por sua segurança, mas também não podia deixar que seu
amigo enfrentasse esse obstáculo sozinho. Arthur teria calculado isso? Teria
notado o forte laço de amizade que existia entre Malcolm e Lucas, o jeito no
qual Lucas olhava para Lisa e o intenso amor fraternal que ela tinha pelos seus
irmãos? Ele era bom! Malcolm agora sabia disso. Esperava que tudo desse certo,
e o potencial que viu em Arthur o tranquilizara, mas apenas um pouco.
- Eu... - A voz de Lisa vacilou. - Eu quero ir
com você.
- Então eu também vou. - Falou Lucas.
- Arthur, é bom que você tenha um ótimo plano,
caso contrário não seguirei a frente com isso. - Blefou Malcolm.
- O plano existe e é concreto. Se ele terá
sucesso ou não, isso dependerá de vocês. - Arthur se levantou e abriu a porta da
frente. - Amanhã estarei esperando por vocês no prédio principal. Mégara vai
listar suas aspirações de serviço para com os Formigas, digam a ela que querem
se tornar recrutadores, os três. Vou providenciar para que eu possa treiná-los.
Essa será nossa deixa para que possamos trabalhar no nosso ataque. - Então, sem
esperar por respostas, ele se foi.
Todos jantaram, até Lisa concordou em comer
um pouco. Malcolm percebeu que ela não estava falando muito, ele sabia que pela
cabeça dela deveriam estar rodando uma mescla de inúmeras emoções: Raiva, medo,
surpresa, culpa e talvez até um pouco de esperança. Ele não a culpou.
Na manhã do dia anterior eles ainda nem
haviam se conhecido, mas agora parecia ser como se tivessem sido amigos por
toda a vida. Todas as histórias que os cinco compartilharam os aproximaram.
Agora, com tanto acontecendo em tão pouco tempo...
Foi difícil pegar no sono. A casa tinha
dois andares, e no segundo andar dois quartos, um maior com uma cama de casal e
alguns colchonetes e outro menor com duas camas de solteiro. Malcolm e Lucas
iam dormir juntos no quarto menor, mas Lisa pediu a Lucas que não a deixasse
sozinha, então Malcolm pernoitou sozinho no quarto menor. Logo de manhã, foi o
primeiro a acordar, fez seus rituais matinais e ao entrar na cozinha se deparou
com frutas frescas em cima da mesa e as marmitas destinadas aos garotos, que
Malcolm havia guardado na geladeira, haviam sumido. Era impressionante como
comida apenas parecia se materializar na casa. Lisa e Lucas desceram depois de
um tempo, ambos se prepararam e se encontraram com Malcolm na sala quando
prontos para sair.
Ao
chegar no saguão do prédio, os três se depararam com Arthur e Mégara que já
pareciam os esperar. Eles pediram para receber o treinamento para recrutadores
e Arthur concordou em lhes proporcionar o mesmo. Mégara anotou alguma coisa em
sua prancheta e os liberou com um sorriso no rosto. Arthur os guiou para fora
do prédio.
- Minha obrigação para com os Formigas agora é
lhes ensinar o básico de um Recrutador. - Explicou Arthur. - Mas não o farei
agora. Preciso que todo foco de vocês seja direcionado para a tarefa que temos
em mãos. Depois disso conversaremos sobre o cargo de vocês.
Todos assentiram e continuaram sua
passeata pelas ruas habitadas do território dos Formigas. Arthur disse que os estava
levando para uma das bases secretas de operação dos Sombra, onde um de seus
amigos e membro do grupo os esperava. A base em questão se localizava fora do
território dos Formigas, mas ainda perto o suficiente. Era uma casa amarela
bonita, mas bem esguia. Tinha três andares e por cima disso um terraço coberto.
Arthur entrou na frente, e pediu para que se sentissem em casa, então ele sumiu
por um corredor. A porta da frente dava numa apertada sala. Ao invés de um sofá,
a sala tinha um grande pufe vermelho de frente para uma televisão de 42". Malcolm
e Lisa se sentaram no pufe. Lucas decidiu ter um tempo para si, então disse aos
demais que pretendia explorar a casa.
Entrou nos cômodos do primeiro andar e
não encontrou Arthur, não se alarmou, subiu ao segundo andar. Lá encontrou um
quarto de tamanho médio, e nele ficou. Sentou-se na cama. Dois dias atrás ele
estava com o pé machucado e julgava aquilo como sendo o ápice de seu
sofrimento, mas agora, com tanto acontecendo em tão pouco tempo ele não havia
tido um tempo para organizar seus pensamentos. Quando encontrou Lisa naquele
prédio ele tinha sentido alguma coisa por ela, talvez tivesse sido um reles
interesse baseado na beleza exterior da garota, mas depois de se conhecerem
melhor o sentimento só vinha crescendo. Ele havia se aproximado dos irmãos dela
no intuito de parecer um cara legal, não que ele não gostasse dos garotos, era
só que, ele queria que ela o apreciasse. Depois dos gêmeos terem sido levados,
Lucas esteve ao lado dela, sendo seu ombro amigo, sem segundas intenções. Ele
não conseguia nem imaginar tamanha dor que ela sentia. Ele sabia que os Eclipse
maltratariam os garotos e também sabia que Lisa estava ciente disso. No dia
passado ela pediu para que Lucas não a deixasse dormir sozinha. Quando juntos
no quarto, ele fez menção de dormir no chão, mas Lisa insistiu que ele dormisse
com ela na cama de casal. Eles se beijaram naquela noite. A iniciativa tinha
sido de Lisa, mas Lucas não foi pego de surpresa. Ele sabia que ela estava sensível,
se sentindo fraca. Sabia que aquele beijo poderia acabar acontecendo. Ele não
soube como reagir depois, se sentia culpado, como se ele de certa forma tivesse
se aproveitado da situação. No dia seguinte nenhum dos dois chegaram a comentar
sobre o beijo. Agiram normalmente, como se em um mútuo acordo mental tivessem
resolvido esquecer aquilo. Ele ainda gostava dela, mas não criava esperanças
por terem dividido aquele beijo.
Depois de seu "tour", voltando
para a sala, Lucas se deteve nos degraus. Parado no pé da escada havia um
cachorro de porte médio, e ele rosnava. Lucas o reconheceu como sendo da raça
beagle. Tinha a pelugem branca e malhada com tons de marrom, a ponta de seu
focinho era marrom clara e suas enormes orelhas pendiam como grandes e frouxos
fones e ouvido. O cão estava em posição de ataque, com suas costas arqueadas e
seus dentes amarelados a mostra, Lucas não sabia ao certo o que fazer, ele
realmente não esperava por aquilo. O cachorro o encarava e ele não tinha
coragem de se mexer. Pensou se daria tempo de correr de volta e se trancar em
algum lugar ou se o fizesse o cão o alcançaria primeiro. Ele não teve que
pensar muito, alguém riu e falou "Amigo", o cachorro cessou sua
postura agressiva imediatamente e andou pra perto de seu mestre. Era um homem na
casa dos vinte e tantos anos, por volta de um metro e setenta e cinco de
altura, tinha olhos castanhos e usava solto seu cabelo liso que escorria até os
ombros, estava vestindo um casaco de brim e calça comprida preta. Malcolm e
Lisa estavam logo atrás dele.
- Eu disse que seria engraçado. - Disse o
homem, rindo.
- Eu não achei engraçado. - Lisa falou.
- Muito menos eu. - Complementou Lucas. - Quem
diabos é você? E qual o problema dessa pequena besta?
O homem se apresentou para Lucas. Seu
nome era Derius Palmer, e seu fiel parceiro se chamava Dinky. Ele era membro
dos Sombra, um dos companheiros de Arthur. Malcolm havia notado uma pontinha de
insanidade no rapaz já quando ele havia adentrado a sala e começado a falar sem
parar. Se apresentou, apresentou seu cão, contou o quanto ele odiava pessoas
que não gostavam de animais, suas preferências nos quesitos: Comida, cores e
sobrenomes de origem japonesa, falou um pouco sobre o quão incrível seria se
humanos pudessem realizar a fotossíntese e então perguntou o nome de Malcolm e
Lisa, perguntou também onde estava o outro garoto. Quando Malcolm disse que ele
havia subido para o andar de cima Derius pediu para que os acompanhasse na
intenção de pregar uma peça em Lucas.
Depois
de se apresentar, ele levou os três até a cozinha. Lucas relutantemente os
seguiu.
- Vocês vão adorar isso. - Derius falou, com um
sorriso insano no rosto, enquanto andava até a geladeira.
Ele esperou que os três estivessem em
sua linha de visão e então abriu a geladeira. Olhou para os três e esbugalhou
seus olhos.
- Estão vendo? - Derius perguntou, fazendo bico.
- Estou vendo que vamos passar fome. A
geladeira está vazia. - Lucas retrucou.
- Sim, sim. Vazia. - Disse fechando a
geladeira. - Agora prestem atenção.
A geladeira era coberta por um enxame
de imãs de diversos temas: Animais, frutas, objetos e até personagens de
desenhos. Derius os apertou em uma ordem, que para os três, pareceu bem
aleatória.
Um barulho mecânico pôde ser ouvido,
como o de engrenagens girando, o som terminou em um estalido metálico. Derius
abriu novamente a geladeira. As prateleiras vazias não estavam mais lá, os
fundos da geladeira agora revelavam uma escadaria escura para um porão. Dinky
correu na frente.
- Calma aí apressadinho. - Chamou Derius. -
Bom, me sigam. Feche a porta da geladeira o último que passar. Se ela ficar
aberta a conta de luz vai vir alta.
O trio permanecia boquiaberto e imóvel.
Aquilo tinha sido legal demais. Malcolm tomou a dianteira e olhou pela
escuridão da escada. Julgando seguro, ele entrou. Lisa e Lucas o seguiram de
perto.
Desceram o que pareceu serem uns dois
ou três andares. No final da escadaria se depararam com uma ampla sala mal
iluminada com paredes de cor verde escura, havia uma grande mesa de centro
redonda sem cadeiras ao redor, ao fundo vários computadores se mostravam a
única fonte de iluminação do local. As telas mostravam imagens de diversas ruas
da cidade. Lucas e Lisa reconheceram algumas. Sentado em uma cadeira com um
walkie-talkie em mãos se encontrava Arthur. Estava falando com alguém. Derius
pediu para que não o interrompessem porque a conversa que ele estava tendo era
muito importante e poderia afetar o plano de invasão da base dos Eclipse, então
os ofereceu um refrigerante em lata, direto de uma máquina de vendas que havia em
um dos cantos. "Peguem enquanto ainda está na validade.", ele disse.
Arthur terminou sua conversa e voltou sua atenção aos outros.
- Eu estava falando com o outro membro dos
Sombra, o nome dela é Christina Shaw, e ela está, no momento, infiltrada na
base dos Eclipse a qual pretendemos invadir. - Contou Arthur.
- Infiltrada? Você disse que precisava de nós
para essa missão. A quanto tempo exatamente ela está infiltrada? - Perguntou
Malcolm.
- Ela está entre eles desde que aquela base dos
Eclipse descobriu os Formigas. Tive que pedir isso dela. A princípio Christina
me fornecia informações como o movimento dos membros, a maneira como funcionava
a base deles, como era feito o contato com seus superiores e coisas do tipo.
Conforme o tempo foi passando nós bolamos inúmeros planos para derrubá-los, mas
nunca tivemos pessoal necessário para executá-los. Tivemos que alterar partes
do plano sempre que seu líder fazia alguma modificação interna na base. Ainda
corremos esse risco, por isso precisamos agir rápido.
- Não acha que o papel dela é um tanto
arriscado? - Lisa questionou.
- Ela é totalmente capaz. É experiente e
motivada. Não teria problemas com isso. - Arthur deixou claro.
- Bom, e a respeito desse plano, quando vai nos
deixar a parte dele? - Indagou Lucas, bebericando seu refrigerante.
- Temos o dia inteiro para entrar em detalhes.
Mas nosso objetivo é simples. - Arthur avaliou uma última vez seus recrutas. -
Vamos invadir sorrateiramente e matar o comandante.
A respiração de Lisa vacilou, mas ela
se manteve calma.
- Não soa tão simples assim. - Inferiu Malcolm.
- Quanto tempo teremos para nos preparar?
- Não muito. - Ponderou Derius.
- Uma semana? - Lucas inquiriu.
-
Atacaremos amanhã. - Arthur concluiu.