- Tem certeza que está bem amarrado? -
Perguntou o homem que aparentava ter vinte e poucos anos, para seu companheiro
enquanto enchia uma sacola de viagem com suprimentos de um mercadinho
abandonado.
- Quem foi que te ensinou a dar nó? Fui eu, não
fui?! - Disse o outro enquanto amarrava um sujeito numa cadeira giratória preta
repleta de poeira - É claro que está bem amarrado. Agora enche bem essa sacola
aí que hoje eu quero comer feito rei.
No início, quando as pessoas começaram
a morrer subitamente sem mostrar nenhum sinal aparente de infecção, foi um caos
total. Os necrotérios lotaram antes dos hospitais. Já no primeiro dia, quando a
notícia se espalhou, medidas foram rapidamente tomadas e a cidade foi
completamente isolada com sucesso. Em quarentena, os moradores não tinham o que
fazer. Os poucos que não foram afetados pelo medo ainda iam trabalhar, o resto
se trancava em suas casas, sofrendo por suas perdas e esperando a morte
iminente.
O governo transmitia mensagens pra
população de Cargo, por via de rádios e de uma intranet que disponibilizaram
para a cidade, informando qualquer avanço ou notícia a respeito da doença que
os havia massacrado. Mas com o passar do tempo, mais pessoas morreram e os
contatos por conta do governo haviam se tornado mais escassos. As únicas
transmissões ainda regulares eram feitas semanalmente, toda segunda-feira ao
meio dia, dando uma lista de pontos de distribuição de alimentos, estes vinham
em grandes caixas de madeira despejadas por helicópteros em pontos chave da cidade,
e carregavam em si alimento suficiente para suprir as necessidades de dez
pessoas por uma semana.
- Por favor, me soltem, eu prometo que não vou
tentar nenhuma gracinha. - Disse o homem, com lábio inferior inchado, a ser
amarrado na cadeira - Eu estava só brincando.
- Sem chances. Se você acha graça em nos atacar
pelas costas com um pé de cabra, chegou a hora de repensar seu senso de humor.
- O que estava amarrando terminou seu trabalho, se levantou e foi encher a sua
sacola de viagem com mais mantimentos. - Pega bastante miojo, Malcolm, que
miojo demora uns quatro meses pra passar da validade.
- Mas Lucas, ninguém aguenta viver só de miojo
não. Pega o que tiver pra passar da validade que a gente inventa qualquer coisa
na cozinha. - Malcolm respondeu de um dos corredores. - E você, da cadeira, vê
se para de choramingar. Te demos uma chance, você tentou machucar a gente. Te
demos uma segunda chance, você vacilou e tentou apagar a gente de novo, não
existe terceira chance.
Dois meses se passaram desde o início
da epidemia que devastou a cidade-ilha de Cargo. A natureza humana da grande
maioria dos sobreviventes fez com que a situação piorasse. No início, os
sobreviventes se juntavam nos pontos de distribuição para dividir os alimentos
cedidos pelo governo, mas já na terceira semana tudo foi por água abaixo. A
notícia de que um morador assassinou todos os que estavam para receber a caixa
com ele, a sangue frio, só para garantir a sua sobrevivência vazou pela
intranet, esta que era usada para que os sobreviventes pudessem manter contato.
Com isso, outros se viram no direito de fazer o mesmo, andar nas ruas já era
uma tarefa perigosa, as casas dos mortos e os comércios já estavam sendo
saqueados, nem os corpos que salpicavam o chão de quase toda rua estavam sendo
perdoados. E cada vez mais pessoas pereciam pela ganância de outros.
- Vocês não podem me deixar aqui. Não viram o
sorriso cinza pichado na parede? Esse mercado é território dos Hienas. Se eles
nos virem vão nos matar. - Disse o homem em desespero, tentando se livrar das
cordas.
- Então é bom sairmos fora daqui o quanto
antes, Malcolm. - Disse Lucas, fechando sua sacola. - Não quero morrer por
causa de alguns miojos. E não acho que meu novo pé de cabra vai ser o
suficiente pra nos defender daqueles sádicos.
- Apoiado. Além do mais, minha sacola já está
abarrotada. - Malcolm encontrou Lucas no corredor quatro e juntos saíram de lá.
Para garantir a sobrevivência, grupos
haviam sido formados. Possuíam um logo, e através de pichações do mesmo,
demarcavam seus territórios. Embora existissem moradores pacíficos, grande
parte dos grupos usavam a violência e o medo para dominar e crescer. O mais
famoso dentre eles era o Hienas do Asfalto. Dominavam um vasto território e com
isso garantiam diversas caixas de suprimento para si, muito mais do que eles
realmente precisavam. Alguns se arriscavam invadir seus territórios, mas os que
fossem pegos eram executados no ato. Alguns dos Hienas matavam por obrigação,
outros sentiam prazer naquilo, mas os piores eram os carniceiros, conhecidos
por agir em grupos para capturar suas vítimas e então torturá-los pelo bel
prazer no ato.
Malcolm Strauss tinha vinte e cinco
anos, um metro e setenta e oito de altura, era um arquiteto recém formado,
possuía belos olhos pretos e um cabelo curto bem liso, e bagunçado, também preto.
Seu amigo Lucas Gomes era um pouco mais novo e mais baixo, havia completado
vinte e dois anos, tinha um metro e setenta e quatro de altura, um par de
confortantes olhos castanho claro e dourados cachos de cabelo pendiam de sua
cabeça. Ambos tinham um corpo franzino, nunca ligaram muito para aparência.
Desde pouco antes de tudo aquilo acontecer haviam se tornado colegas de quarto
e eventualmente grandes amigos.
Saindo do mercado, Malcolm e Lucas
seguiram o caminho até seu refúgio. Do lado de fora do mercado os grandes
sorrisos cinza pichados nas paredes pelos arredores chamavam a atenção. Era
incontestável que aquela região pertencia aos Hienas, e só o fato de eles
estarem pisando ali já era perigoso, mas a dupla não era tão idiota quanto
aparentava. Apesar de estar sob o controle do detestável clã, aquela região era
distante do centro de comando, logo, o monitoramento e patrulha na região eram
quase inexistentes. Conforme os Hienas iam crescendo, outras áreas iam sendo
tomadas, mas graças a guerras internas entre eles e outros clãs maiores,
membros acabavam sendo perdidos e as regiões mais externas dominadas por eles
acabavam ficando desertas.
Dois dias atrás, um grupo de
carniceiros dos Hienas emboscou um grupo menor de batedores dos Sombra, o que
eles não esperavam eram os batedores estarem servindo de isca para uma
armadilha melhor elaborada, o que era a especialidade dos Sombra. Todos os
Hienas em questão foram eliminados, nenhum dos Sombra foi sequer visto na
região. Ambos sabiam desse desfalque por meio da intranet, antes usada como
meio de comunicação pelo governo, que agora era atualizada constantemente por moradores
como membros anônimos com informações sobre acontecimentos diversos dentro da
cidade. É claro, muitas das informações divulgadas por lá eram mentiras
inventadas pelos clãs para ganhar alguma vantagem sobre outros, mas Malcolm e
Lucas eram espertos, ambos acompanhavam as notícias desde o início, eles eram
capazes de reconhecer os padrões de escrita daqueles nos quais acreditar, logo,
era fácil pra eles filtrar as informações verdadeiras. Desde que não podiam
mais contar com o fornecimento de comida do governo, graças aos clãs e seus
territórios, a busca por suprimentos se resumia a invadir as casas abandonadas
e levar tudo que lhes fosse útil. No início era uma boa estratégia, mas
conforme o tempo passou, as casas ao redor ficaram vazias o que os forçava ir
cada vez mais longe em busca do que comer, e nem sempre davam a sorte de
encontrar uma dispensa cheia de produtos ainda dentro da validade. Essa
oportunidade de invadir o território dos Hienas e saquear um mercadinho veio
muito bem a calhar. O risco era muito baixo e o prêmio muito alto. Com isso,
eles agora tinham tempo para se despreocupar e pensar no que fazer em seguida.
O caminho até a casa não era tão longo,
foram vinte minutos de caminhada por ruas desertas. Lucas conhecia melhor a
região, tendo morado na cidade desde pequeno, já Malcolm havia se mudado para
lá fazia três meses para trabalhar numa empresa que o havia contratado, então
ele se contentava em seguir as direções de Lucas. A cidade inteira tinha se
tornado um grande cemitério. Nos três primeiros dias, a doença já havia matado
metade da população, as pessoas caiam sem mais nem menos, onde quer que
estivessem. Pra cada dois corpos coletados das ruas, mais cinco tomavam seus
lugares. O cheiro de carne pútrida os seguia para todo lugar, um odor com o
qual era muito difícil de se acostumar, mesmo depois de dois meses ainda os
incomodava, mas já nem tanto. O difícil mesmo era ver a morte em cada esquina.
Moscas para todo lado e a angústia de acabar, por desventura, reconhecendo
algum dos corpos no chão.
Os dois permaneceram na casa onde
moravam. Ficava numa ruazinha sem saída, com umas cinco casas de cada lado da
rua. A deles era a penúltima do lado direito de quem entrava. Uma casa de
tamanho médio: Dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro, nada muito
glamoroso, mas era o que eles chamavam de lar. Os pais de Lucas eram os donos
da casa. Eles moraram nela durante um tempo, até o pai de Lucas conseguir um
emprego melhor em uma outra cidade, Lucas na época tinha apenas seis anos, mas
nunca se esquecera dos bons tempos em que havia morado ali. Sendo uma rua sem
saída, poucos carros passavam por ali, logo, a rua era conhecida por todas as
crianças como o playground da região. Quando Lucas completou seus dezoito anos
decidiu voltar a morar em Cargo, seus pais deram permissão para que ele usasse
a casa, pensaram que com Lucas morando sozinho seu senso de responsabilidade melhoraria,
isso foi antes de o visitarem duas semanas depois da mudança e descobrirem que
ratos estavam dividindo o espaço com ele. Foi depois do falecimento de sua mãe
que ele abriu os olhos pra vida e resolveu amadurecer. Por ter sido sempre uma
pessoa extremamente sociável nunca teve problemas para conseguir um emprego,
mas por ser hiperativo nunca ficava no mesmo lugar por muito tempo. Depois de
cinco anos morando sozinho, Lucas percebeu que poderia economizar com as contas
se alugasse um dos quartos para alguém de fora. Foi assim que Malcolm o
conheceu. Com a necessidade de residir em Cargo para trabalhar numa empresa
local, Malcolm procurou por um lugar barato e prático para alugar. O quarto na
casa de Lucas o serviu como uma luva. No dia em que ele foi conhecer a casa
estava um tanto apreensivo. Estava prestes a sair da casa dos pais, indo para
uma cidade estranha morar com um desconhecido. Depois de tocar a campainha ele
desistiu, deu meia volta determinado a voltar pra sua casa, mas quando a porta
se abriu e Malcolm se virou pra dar de cara com um garoto três anos mais novo
que ele segurando um controle de videogame em uma mão e uma maçã pendurada na
boca, decidiu dar uma chance a si mesmo. E foi assim que eles se conheceram.
Depois de um mês como residente, quando
Malcolm estava começando a se acostumar com seu dia-a-dia naquele novo lugar,
foi que tudo aconteceu. Logo de manhã, quando acordou para ir trabalhar, ligou
sua TV e em todos os canais já era notícia, pessoas mortas eram mostradas sendo
carregadas pra todo lado, a população desesperada sem saber o que estava
acontecendo, e foi quando a apresentadora do jornal do canal seis faleceu ao
vivo, no meio da notícia, que Malcolm entrou em desespero. Lucas não estava
empregado no momento, então realmente não esperava ser acordado por Malcolm às
seis e meia da manhã ouvindo ele gritar sobre pessoas morrendo. Depois de ficar
a par das notícias, Lucas pediu para que Malcolm não fosse trabalhar no dia,
estava, pela primeira vez na vida, com medo de ficar sozinho. Malcolm ligou
para seu chefe na esperança de que o mesmo entendesse a razão de sua ausência,
mas ninguém atendia. Acabaram passando o dia inteiro em casa, sentados no sofá,
sem saber ao certo o que fazer. Na tarde daquele dia, antes das linhas
telefônicas serem cortadas, entraram em contato com seus respectivos familiares,
contaram sobre os acontecimentos e tiveram que convencê-los a acreditar. A essa altura a cidade já tinha sido isolada.
Não havia nada que eles pudessem fazer. Apesar de Malcolm nunca ter sido uma
pessoa muito sentimental, naquela situação era difícil não se abalar. Precisou
respirar por uns dias, mas no fundo ele sabia que cedo ou tarde teria de tomar
decisões e pra isso precisava estar a par do que estava acontecendo. Quando o
governo passou as informações e instruções aos moradores de Cargo, Malcolm se ergueu.
Lucas parecia ter desistido da vida - Logo ele, uma pessoa tão alegre - mas
Malcolm já não conseguia mais ficar parado. Começou a acompanhar a intranet que
lhes foi disponibilizada, e até tomou coragem para ir até um dos pontos de
distribuição de alimento, mas deu pra trás quando abriu a porta de casa e
reconheceu três de seus vizinhos estirados na rua. Ele vomitou na hora, Lucas
ouviu, mas não perguntou o porquê. No fundo ele sabia. Malcolm tomou conta de
seu amigo até que ele recuperasse um pouco de sua vivacidade. Em duas semanas
eles já conseguiam rir, planejar algumas coisas e, eventualmente, começaram a
perambular pelas ruas. Apertava o coração de Malcolm ver Lucas chorando quando
o mesmo reconhecia um dos corpos estirados na rua como um amigo, mas apesar
disso Lucas não se deixava abalar, sua consciência o estava adaptando a viver
sobre aquelas circunstâncias. Eles sabiam que seria difícil, mas enquanto não
estivessem mortos não iam desistir de viver. Limparam a rua arrastando os
corpos para um terreno baldio próximo, mas depois de descobrir as pessoas se
tornando agressivas, sendo moldadas pelo evento, decidiram que seria mais
seguro pra eles trazer os corpos de volta para a rua, se só ela estivesse muito
limpa alguém poderia suspeitar de alguma coisa. Não foi uma tarefa fácil, mas
foi necessária, e, no momento, sobrepujar suas necessidades era tudo o que
importava para eles.
Quando chegaram em casa o relógio
marcava oito horas, ainda bem cedo, Lucas ficou encarregado de descarregar as
sacolas e organizar seus espólios, mas devido a uma certa necessidade, teve que
ir direto para o banheiro. Malcolm pegou seu laptop, deitou no sofá da sala e
foi direto ao site, saber das novas notícias. Depois de vinte minutos de
leitura ele não julgou nada verídico ou interessante, então desligou o laptop e
continuou deitado, pensando em nada em particular. Lucas saiu do banheiro e
puxou as pernas de Malcolm pra baixo para que pudesse sentar no sofá.
- Cara, eu estava lá dentro pensando. - Disse
Lucas puxando as pernas de Malcolm para seu colo. - Sabe o cara do mercado?
- O que tem ele?
- Acho que não foi uma decisão sábia de nossa
parte deixar ele por lá.
- Porque diz isso? - Malcolm indagou com um
pouco de incredulidade na voz. - A ideia de "Não damos terceiras
chances" foi sua, vai me dizer...
- Não, não. Não é isso. - Lucas o cortou. - É
só que, bom, a gente conversou na frente dele. Agora ele sabe nossos nomes.
- E?
- E que se por um acaso, e apenas por um acaso,
algum dos Hienas aparecer por lá, ele pode abrir a boca e dizer que fomos nós
que saqueamos o lugar. - Lucas começou a coçar o lóbulo da orelha esquerda, seu
primeiro sinal de nervosismo. - É claro que, por mais remota que seja a possibilidade
de isso acontecer, eles podem achar que ele está mentindo. Não sei...
- Ele não teria porquê mentir. Se ele está
amarrado, é óbvio que não foi ele quem saqueou o lugar. - Malcolm se levantou
de súbito. - Precisamos voltar lá, e rápido. Não podemos arriscar que os Hienas
saibam da gente.
- Tudo bem, mas e a respeito do cara, o que
vamos fazer?
Malcolm
não respondeu de imediato. Não havia muito o que pudessem fazer senão...
Lucas
se levantou e pegou em cima da mesa da sala sua máscara de higiene e uma touca
preta. Malcolm, vendo a cena, entendeu o que Lucas pretendia. Ele ia preparado
para matar o homem. Ele já tinha feito isso antes. Os dois tinham. A primeira
vez de Lucas foi em auto defesa, uma mulher gorda que aparentava ter uns trinta
e poucos anos os viu saindo de uma casa que eles invadiram em busca de
suprimentos e tentou roubá-los usando uma faca de poda. Malcolm e Lucas
recusaram a dar qualquer coisa pra ela e começaram a correr, Malcolm foi em
disparada na frente de Lucas que tropeçou numa mangueira de jardim e, graças ao
peso extra da sacola com suprimentos pendurada em seu ombro direito, caiu
desengonçadamente no chão. A mulher sentou em cima dele e forçou a faca em
direção ao seu pescoço, Lucas segurou a mão dela e a conteve no meio do
caminho, mas o peso excessivo dela sobre seu corpo estava o incapacitando de
respirar e com isso drenando rapidamente suas forças. "Acabou pra você
magrelo, era melhor ter passado tudo quando eu mandei.", ela disse. Ele
viu nos olhos dela que ela não iria hesitar, o sorriso em seu rosto lhe dizia
que ela já havia feito algo assim antes. Malcolm não iria ajudar, quando ele
percebesse que Lucas não estava em seu encalço já seria tarde demais. Numa
explosão de súbita força ele forçou a faca de volta contra o pescoço de sua
agressora. Espantada com a resposta dele, ela se jogou pra trás, no exato
momento em que a faca tocou seu próprio pescoço, com isso ela largou a arma.
Lucas levantou num salto e pegou a faca do chão, montou na sua agressora, ainda
paralisada pelo choque e disse, "Se eu não tivesse visto o seu sorriso
sádico até te daria uma terceira chance", e foi quando ele enterrou a faca
na garganta dela. Malcolm não voltou a tempo de escutá-lo, mas o viu de longe
executá-la. Depois de um minuto de incredulidade ele caminhou até Lucas, que
continuava sentado em cima da mulher. Ele ajudou seu amigo a levantar e o levou
para casa sem falar nada pelo caminho. O ajudou a lavar as mãos, e, quando
Lucas se sentiu preparado, eles conversaram a respeito daquilo. Acabaram
aceitando que uma tomada de decisões daquelas poderia se fazer necessária durante
aquele período de crise. Se Lucas não a tivesse matado ela poderia tê-los
seguido, o que acabaria comprometendo a segurança dos dois, e eles concordavam
que não podiam correr riscos. Logo outras situações apareceram. Até então Lucas
havia matado três pessoas e Malcolm uma, embora nunca sem um motivo. Não
gostavam daquilo, mas não negavam a necessariedade de tais decisões. Lucas e
Malcolm haviam combinado que se em alguma hora eles precisassem executar
alguém, que tentariam se disfarçar da melhor maneira possível antes, para não
arriscar alguém de fora os reconhecendo como assassinos. Malcolm assentiu com a
decisão de Lucas, aquele homem os atacou duas vezes, nada o impediria de atacar
uma terceira vez, principalmente depois de tê-lo prendido naquele lugar. Ambos
vestiram uma máscara higiênica branca, colocaram casacos e então toucas de lã.
Lucas levou uma faca grande e bem amolada para empalar o coração do homem, numa
morte rápida.
Quando chegaram no mercado, Lucas
entrou na frente e Malcolm ficou parado na entrada. Ele preferia não ter de ver
aquilo. Mas a urgência na voz de Lucas quando ele o chamou pelo nome o fez
entrar correndo.
- O que houve? - Malcolm ofegou ao final do
corredor dois quando alcançou Lucas.
- Problemas.
A cadeira na qual haviam prendido o
homem estava vazia, as cordas que usaram para prendê-lo estavam espalhadas pelo
chão, cortadas, e uma considerável quantidade de sangue fresco jazia espalhada
pelas paredes e mostruários.
- Precisamos sair daqui agora. - Disse Malcolm
puxando Lucas pelo braço.
- Tá. - Lucas olhava incrédulo para o chão.
- A gente vai voltar correndo o mais rápido que
puder, não vamos pegar o caminho que costumamos, vou precisar que você... -
Malcolm chacoalhou Lucas pelo braço, o que, aparentemente, o fez voltar ao
presente. - Lucas, você está me ouvindo com atenção?
- Não, desculpa, eu estava...
- Não importa. Não agora. Presta atenção em
mim. - O tom de voz imperativo de Malcolm pareceu ganhar a atenção de Lucas. -
Vamos precisar voltar por um caminho mais longo, fazer uns ziguezagues
desnecessários por algumas ruas e vielas. E precisamos fazer isso agora. Você
conhece um caminho assim?
-
Conheço, conheço sim. Vamos. - Lucas se dirigiu para a saída seguido de
Malcolm, e no caminho, colocou um miojo sabor picanha no bolso do casaco. -
Assim a viagem não foi perdida.