sexta-feira, 24 de abril de 2015

Lótus - Capítulo 1

- Tem certeza que está bem amarrado? - Perguntou o homem que aparentava ter vinte e poucos anos, para seu companheiro enquanto enchia uma sacola de viagem com suprimentos de um mercadinho abandonado.
- Quem foi que te ensinou a dar nó? Fui eu, não fui?! - Disse o outro enquanto amarrava um sujeito numa cadeira giratória preta repleta de poeira - É claro que está bem amarrado. Agora enche bem essa sacola aí que hoje eu quero comer feito rei.
           No início, quando as pessoas começaram a morrer subitamente sem mostrar nenhum sinal aparente de infecção, foi um caos total. Os necrotérios lotaram antes dos hospitais. Já no primeiro dia, quando a notícia se espalhou, medidas foram rapidamente tomadas e a cidade foi completamente isolada com sucesso. Em quarentena, os moradores não tinham o que fazer. Os poucos que não foram afetados pelo medo ainda iam trabalhar, o resto se trancava em suas casas, sofrendo por suas perdas e esperando a morte iminente.
           O governo transmitia mensagens pra população de Cargo, por via de rádios e de uma intranet que disponibilizaram para a cidade, informando qualquer avanço ou notícia a respeito da doença que os havia massacrado. Mas com o passar do tempo, mais pessoas morreram e os contatos por conta do governo haviam se tornado mais escassos. As únicas transmissões ainda regulares eram feitas semanalmente, toda segunda-feira ao meio dia, dando uma lista de pontos de distribuição de alimentos, estes vinham em grandes caixas de madeira despejadas por helicópteros em pontos chave da cidade, e carregavam em si alimento suficiente para suprir as necessidades de dez pessoas por uma semana.
- Por favor, me soltem, eu prometo que não vou tentar nenhuma gracinha. - Disse o homem, com lábio inferior inchado, a ser amarrado na cadeira - Eu estava só brincando.
- Sem chances. Se você acha graça em nos atacar pelas costas com um pé de cabra, chegou a hora de repensar seu senso de humor. - O que estava amarrando terminou seu trabalho, se levantou e foi encher a sua sacola de viagem com mais mantimentos. - Pega bastante miojo, Malcolm, que miojo demora uns quatro meses pra passar da validade.
- Mas Lucas, ninguém aguenta viver só de miojo não. Pega o que tiver pra passar da validade que a gente inventa qualquer coisa na cozinha. - Malcolm respondeu de um dos corredores. - E você, da cadeira, vê se para de choramingar. Te demos uma chance, você tentou machucar a gente. Te demos uma segunda chance, você vacilou e tentou apagar a gente de novo, não existe terceira chance.
- Inventar o que? Com nossas habilidades culinárias combinadas somos capazes de fritar coisas e fazer miojo. – Lucas então ponderou. – Será que dá para fritar miojo? Seria algo novo no nosso cardápio.
           Dois meses se passaram desde o início da epidemia que devastou a cidade-ilha de Cargo. A natureza humana da grande maioria dos sobreviventes fez com que a situação piorasse. No início, os sobreviventes se juntavam nos pontos de distribuição para dividir os alimentos cedidos pelo governo, mas já na terceira semana tudo foi por água abaixo. A notícia de que um morador assassinou todos os que estavam para receber a caixa com ele, a sangue frio, só para garantir a sua sobrevivência vazou pela intranet, esta que era usada para que os sobreviventes pudessem manter contato. Com isso, outros se viram no direito de fazer o mesmo, andar nas ruas já era uma tarefa perigosa, as casas dos mortos e os comércios já estavam sendo saqueados, nem os corpos que salpicavam o chão de quase toda rua estavam sendo perdoados. E cada vez mais pessoas pereciam pela ganância de outros.
- Vocês não podem me deixar aqui. Não viram o sorriso cinza pichado na parede? Esse mercado é território dos Hienas. Se eles nos virem vão nos matar. - Disse o homem em desespero, tentando se livrar das cordas.
- Então é bom sairmos fora daqui o quanto antes, Malcolm. - Disse Lucas, fechando sua sacola. - Não quero morrer por causa de alguns miojos. E não acho que meu novo pé de cabra vai ser o suficiente pra nos defender daqueles sádicos.
- Apoiado. Além do mais, minha sacola já está abarrotada. - Malcolm encontrou Lucas no corredor quatro e juntos saíram de lá.
           Para garantir a sobrevivência, grupos haviam sido formados. Possuíam um logo, e através de pichações do mesmo, demarcavam seus territórios. Embora existissem moradores pacíficos, grande parte dos grupos usavam a violência e o medo para dominar e crescer. O mais famoso dentre eles era o Hienas do Asfalto. Dominavam um vasto território e com isso garantiam diversas caixas de suprimento para si, muito mais do que eles realmente precisavam. Alguns se arriscavam invadir seus territórios, mas os que fossem pegos eram executados no ato. Alguns dos Hienas matavam por obrigação, outros sentiam prazer naquilo, mas os piores eram os carniceiros, conhecidos por agir em grupos para capturar suas vítimas e então torturá-los pelo bel prazer no ato.
           Malcolm Strauss tinha vinte e cinco anos, um metro e setenta e oito de altura, era um arquiteto recém formado, possuía belos olhos pretos e um cabelo curto bem liso, e bagunçado, também preto. Seu amigo Lucas Gomes era um pouco mais novo e mais baixo, havia completado vinte e dois anos, tinha um metro e setenta e quatro de altura, um par de confortantes olhos castanho claro e dourados cachos de cabelo pendiam de sua cabeça. Ambos tinham um corpo franzino, nunca ligaram muito para aparência. Desde pouco antes de tudo aquilo acontecer haviam se tornado colegas de quarto e eventualmente grandes amigos.
           Saindo do mercado, Malcolm e Lucas seguiram o caminho até seu refúgio. Do lado de fora do mercado os grandes sorrisos cinza pichados nas paredes pelos arredores chamavam a atenção. Era incontestável que aquela região pertencia aos Hienas, e só o fato de eles estarem pisando ali já era perigoso, mas a dupla não era tão idiota quanto aparentava. Apesar de estar sob o controle do detestável clã, aquela região era distante do centro de comando, logo, o monitoramento e patrulha na região eram quase inexistentes. Conforme os Hienas iam crescendo, outras áreas iam sendo tomadas, mas graças a guerras internas entre eles e outros clãs maiores, membros acabavam sendo perdidos e as regiões mais externas dominadas por eles acabavam ficando desertas.
           Dois dias atrás, um grupo de carniceiros dos Hienas emboscou um grupo menor de batedores dos Sombra, o que eles não esperavam eram os batedores estarem servindo de isca para uma armadilha melhor elaborada, o que era a especialidade dos Sombra. Todos os Hienas em questão foram eliminados, nenhum dos Sombra foi sequer visto na região. Ambos sabiam desse desfalque por meio da intranet, antes usada como meio de comunicação pelo governo, que agora era atualizada constantemente por moradores como membros anônimos com informações sobre acontecimentos diversos dentro da cidade. É claro, muitas das informações divulgadas por lá eram mentiras inventadas pelos clãs para ganhar alguma vantagem sobre outros, mas Malcolm e Lucas eram espertos, ambos acompanhavam as notícias desde o início, eles eram capazes de reconhecer os padrões de escrita daqueles nos quais acreditar, logo, era fácil pra eles filtrar as informações verdadeiras. Desde que não podiam mais contar com o fornecimento de comida do governo, graças aos clãs e seus territórios, a busca por suprimentos se resumia a invadir as casas abandonadas e levar tudo que lhes fosse útil. No início era uma boa estratégia, mas conforme o tempo passou, as casas ao redor ficaram vazias o que os forçava ir cada vez mais longe em busca do que comer, e nem sempre davam a sorte de encontrar uma dispensa cheia de produtos ainda dentro da validade. Essa oportunidade de invadir o território dos Hienas e saquear um mercadinho veio muito bem a calhar. O risco era muito baixo e o prêmio muito alto. Com isso, eles agora tinham tempo para se despreocupar e pensar no que fazer em seguida.
           O caminho até a casa não era tão longo, foram vinte minutos de caminhada por ruas desertas. Lucas conhecia melhor a região, tendo morado na cidade desde pequeno, já Malcolm havia se mudado para lá fazia três meses para trabalhar numa empresa que o havia contratado, então ele se contentava em seguir as direções de Lucas. A cidade inteira tinha se tornado um grande cemitério. Nos três primeiros dias, a doença já havia matado metade da população, as pessoas caiam sem mais nem menos, onde quer que estivessem. Pra cada dois corpos coletados das ruas, mais cinco tomavam seus lugares. O cheiro de carne pútrida os seguia para todo lugar, um odor com o qual era muito difícil de se acostumar, mesmo depois de dois meses ainda os incomodava, mas já nem tanto. O difícil mesmo era ver a morte em cada esquina. Moscas para todo lado e a angústia de acabar, por desventura, reconhecendo algum dos corpos no chão.
           Os dois permaneceram na casa onde moravam. Ficava numa ruazinha sem saída, com umas cinco casas de cada lado da rua. A deles era a penúltima do lado direito de quem entrava. Uma casa de tamanho médio: Dois quartos, uma sala, uma cozinha e um banheiro, nada muito glamoroso, mas era o que eles chamavam de lar. Os pais de Lucas eram os donos da casa. Eles moraram nela durante um tempo, até o pai de Lucas conseguir um emprego melhor em uma outra cidade, Lucas na época tinha apenas seis anos, mas nunca se esquecera dos bons tempos em que havia morado ali. Sendo uma rua sem saída, poucos carros passavam por ali, logo, a rua era conhecida por todas as crianças como o playground da região. Quando Lucas completou seus dezoito anos decidiu voltar a morar em Cargo, seus pais deram permissão para que ele usasse a casa, pensaram que com Lucas morando sozinho seu senso de responsabilidade melhoraria, isso foi antes de o visitarem duas semanas depois da mudança e descobrirem que ratos estavam dividindo o espaço com ele. Foi depois do falecimento de sua mãe que ele abriu os olhos pra vida e resolveu amadurecer. Por ter sido sempre uma pessoa extremamente sociável nunca teve problemas para conseguir um emprego, mas por ser hiperativo nunca ficava no mesmo lugar por muito tempo. Depois de cinco anos morando sozinho, Lucas percebeu que poderia economizar com as contas se alugasse um dos quartos para alguém de fora. Foi assim que Malcolm o conheceu. Com a necessidade de residir em Cargo para trabalhar numa empresa local, Malcolm procurou por um lugar barato e prático para alugar. O quarto na casa de Lucas o serviu como uma luva. No dia em que ele foi conhecer a casa estava um tanto apreensivo. Estava prestes a sair da casa dos pais, indo para uma cidade estranha morar com um desconhecido. Depois de tocar a campainha ele desistiu, deu meia volta determinado a voltar pra sua casa, mas quando a porta se abriu e Malcolm se virou pra dar de cara com um garoto três anos mais novo que ele segurando um controle de videogame em uma mão e uma maçã pendurada na boca, decidiu dar uma chance a si mesmo. E foi assim que eles se conheceram.
           Depois de um mês como residente, quando Malcolm estava começando a se acostumar com seu dia-a-dia naquele novo lugar, foi que tudo aconteceu. Logo de manhã, quando acordou para ir trabalhar, ligou sua TV e em todos os canais já era notícia, pessoas mortas eram mostradas sendo carregadas pra todo lado, a população desesperada sem saber o que estava acontecendo, e foi quando a apresentadora do jornal do canal seis faleceu ao vivo, no meio da notícia, que Malcolm entrou em desespero. Lucas não estava empregado no momento, então realmente não esperava ser acordado por Malcolm às seis e meia da manhã ouvindo ele gritar sobre pessoas morrendo. Depois de ficar a par das notícias, Lucas pediu para que Malcolm não fosse trabalhar no dia, estava, pela primeira vez na vida, com medo de ficar sozinho. Malcolm ligou para seu chefe na esperança de que o mesmo entendesse a razão de sua ausência, mas ninguém atendia. Acabaram passando o dia inteiro em casa, sentados no sofá, sem saber ao certo o que fazer. Na tarde daquele dia, antes das linhas telefônicas serem cortadas, entraram em contato com seus respectivos familiares, contaram sobre os acontecimentos e tiveram que convencê-los a acreditar.  A essa altura a cidade já tinha sido isolada. Não havia nada que eles pudessem fazer. Apesar de Malcolm nunca ter sido uma pessoa muito sentimental, naquela situação era difícil não se abalar. Precisou respirar por uns dias, mas no fundo ele sabia que cedo ou tarde teria de tomar decisões e pra isso precisava estar a par do que estava acontecendo. Quando o governo passou as informações e instruções aos moradores de Cargo, Malcolm se ergueu. Lucas parecia ter desistido da vida - Logo ele, uma pessoa tão alegre - mas Malcolm já não conseguia mais ficar parado. Começou a acompanhar a intranet que lhes foi disponibilizada, e até tomou coragem para ir até um dos pontos de distribuição de alimento, mas deu pra trás quando abriu a porta de casa e reconheceu três de seus vizinhos estirados na rua. Ele vomitou na hora, Lucas ouviu, mas não perguntou o porquê. No fundo ele sabia. Malcolm tomou conta de seu amigo até que ele recuperasse um pouco de sua vivacidade. Em duas semanas eles já conseguiam rir, planejar algumas coisas e, eventualmente, começaram a perambular pelas ruas. Apertava o coração de Malcolm ver Lucas chorando quando o mesmo reconhecia um dos corpos estirados na rua como um amigo, mas apesar disso Lucas não se deixava abalar, sua consciência o estava adaptando a viver sobre aquelas circunstâncias. Eles sabiam que seria difícil, mas enquanto não estivessem mortos não iam desistir de viver. Limparam a rua arrastando os corpos para um terreno baldio próximo, mas depois de descobrir as pessoas se tornando agressivas, sendo moldadas pelo evento, decidiram que seria mais seguro pra eles trazer os corpos de volta para a rua, se só ela estivesse muito limpa alguém poderia suspeitar de alguma coisa. Não foi uma tarefa fácil, mas foi necessária, e, no momento, sobrepujar suas necessidades era tudo o que importava para eles.
           Quando chegaram em casa o relógio marcava oito horas, ainda bem cedo, Lucas ficou encarregado de descarregar as sacolas e organizar seus espólios, mas devido a uma certa necessidade, teve que ir direto para o banheiro. Malcolm pegou seu laptop, deitou no sofá da sala e foi direto ao site, saber das novas notícias. Depois de vinte minutos de leitura ele não julgou nada verídico ou interessante, então desligou o laptop e continuou deitado, pensando em nada em particular. Lucas saiu do banheiro e puxou as pernas de Malcolm pra baixo para que pudesse sentar no sofá.
- Cara, eu estava lá dentro pensando. - Disse Lucas puxando as pernas de Malcolm para seu colo. - Sabe o cara do mercado?
- O que tem ele?
- Acho que não foi uma decisão sábia de nossa parte deixar ele por lá.
- Porque diz isso? - Malcolm indagou com um pouco de incredulidade na voz. - A ideia de "Não damos terceiras chances" foi sua, vai me dizer...
- Não, não. Não é isso. - Lucas o cortou. - É só que, bom, a gente conversou na frente dele. Agora ele sabe nossos nomes.
- E?
- E que se por um acaso, e apenas por um acaso, algum dos Hienas aparecer por lá, ele pode abrir a boca e dizer que fomos nós que saqueamos o lugar. - Lucas começou a coçar o lóbulo da orelha esquerda, seu primeiro sinal de nervosismo. - É claro que, por mais remota que seja a possibilidade de isso acontecer, eles podem achar que ele está mentindo. Não sei...
- Ele não teria porquê mentir. Se ele está amarrado, é óbvio que não foi ele quem saqueou o lugar. - Malcolm se levantou de súbito. - Precisamos voltar lá, e rápido. Não podemos arriscar que os Hienas saibam da gente.
- Tudo bem, mas e a respeito do cara, o que vamos fazer?
         Malcolm não respondeu de imediato. Não havia muito o que pudessem fazer senão...
         Lucas se levantou e pegou em cima da mesa da sala sua máscara de higiene e uma touca preta. Malcolm, vendo a cena, entendeu o que Lucas pretendia. Ele ia preparado para matar o homem. Ele já tinha feito isso antes. Os dois tinham. A primeira vez de Lucas foi em auto defesa, uma mulher gorda que aparentava ter uns trinta e poucos anos os viu saindo de uma casa que eles invadiram em busca de suprimentos e tentou roubá-los usando uma faca de poda. Malcolm e Lucas recusaram a dar qualquer coisa pra ela e começaram a correr, Malcolm foi em disparada na frente de Lucas que tropeçou numa mangueira de jardim e, graças ao peso extra da sacola com suprimentos pendurada em seu ombro direito, caiu desengonçadamente no chão. A mulher sentou em cima dele e forçou a faca em direção ao seu pescoço, Lucas segurou a mão dela e a conteve no meio do caminho, mas o peso excessivo dela sobre seu corpo estava o incapacitando de respirar e com isso drenando rapidamente suas forças. "Acabou pra você magrelo, era melhor ter passado tudo quando eu mandei.", ela disse. Ele viu nos olhos dela que ela não iria hesitar, o sorriso em seu rosto lhe dizia que ela já havia feito algo assim antes. Malcolm não iria ajudar, quando ele percebesse que Lucas não estava em seu encalço já seria tarde demais. Numa explosão de súbita força ele forçou a faca de volta contra o pescoço de sua agressora. Espantada com a resposta dele, ela se jogou pra trás, no exato momento em que a faca tocou seu próprio pescoço, com isso ela largou a arma. Lucas levantou num salto e pegou a faca do chão, montou na sua agressora, ainda paralisada pelo choque e disse, "Se eu não tivesse visto o seu sorriso sádico até te daria uma terceira chance", e foi quando ele enterrou a faca na garganta dela. Malcolm não voltou a tempo de escutá-lo, mas o viu de longe executá-la. Depois de um minuto de incredulidade ele caminhou até Lucas, que continuava sentado em cima da mulher. Ele ajudou seu amigo a levantar e o levou para casa sem falar nada pelo caminho. O ajudou a lavar as mãos, e, quando Lucas se sentiu preparado, eles conversaram a respeito daquilo. Acabaram aceitando que uma tomada de decisões daquelas poderia se fazer necessária durante aquele período de crise. Se Lucas não a tivesse matado ela poderia tê-los seguido, o que acabaria comprometendo a segurança dos dois, e eles concordavam que não podiam correr riscos. Logo outras situações apareceram. Até então Lucas havia matado três pessoas e Malcolm uma, embora nunca sem um motivo. Não gostavam daquilo, mas não negavam a necessariedade de tais decisões. Lucas e Malcolm haviam combinado que se em alguma hora eles precisassem executar alguém, que tentariam se disfarçar da melhor maneira possível antes, para não arriscar alguém de fora os reconhecendo como assassinos. Malcolm assentiu com a decisão de Lucas, aquele homem os atacou duas vezes, nada o impediria de atacar uma terceira vez, principalmente depois de tê-lo prendido naquele lugar. Ambos vestiram uma máscara higiênica branca, colocaram casacos e então toucas de lã. Lucas levou uma faca grande e bem amolada para empalar o coração do homem, numa morte rápida.
           Quando chegaram no mercado, Lucas entrou na frente e Malcolm ficou parado na entrada. Ele preferia não ter de ver aquilo. Mas a urgência na voz de Lucas quando ele o chamou pelo nome o fez entrar correndo.
- O que houve? - Malcolm ofegou ao final do corredor dois quando alcançou Lucas.
- Problemas.
           A cadeira na qual haviam prendido o homem estava vazia, as cordas que usaram para prendê-lo estavam espalhadas pelo chão, cortadas, e uma considerável quantidade de sangue fresco jazia espalhada pelas paredes e mostruários.
- Precisamos sair daqui agora. - Disse Malcolm puxando Lucas pelo braço.
- Tá. - Lucas olhava incrédulo para o chão.
- A gente vai voltar correndo o mais rápido que puder, não vamos pegar o caminho que costumamos, vou precisar que você... - Malcolm chacoalhou Lucas pelo braço, o que, aparentemente, o fez voltar ao presente. - Lucas, você está me ouvindo com atenção?
- Não, desculpa, eu estava...
- Não importa. Não agora. Presta atenção em mim. - O tom de voz imperativo de Malcolm pareceu ganhar a atenção de Lucas. - Vamos precisar voltar por um caminho mais longo, fazer uns ziguezagues desnecessários por algumas ruas e vielas. E precisamos fazer isso agora. Você conhece um caminho assim?
- Conheço, conheço sim. Vamos. - Lucas se dirigiu para a saída seguido de Malcolm, e no caminho, colocou um miojo sabor picanha no bolso do casaco. - Assim a viagem não foi perdida.